Afraid! Of whom am I afraid?
Not Death -- for who is He?
The Porter of my Father's Lodge
As much abasheth me!
Of Life? 'Twere odd I fear [a] thing
That comprehendeth me
In one or two existences --
As Deity decree --
Of Resurrection? Is the East
Afraid to trust the Morn
With her fastidious forehead?
As soon impeach my Crown!
|
Ter medo? De quem terei?
Não da Morte – quem é ela?
O Porteiro de meu Pai
Igualmente me atropela.
Da Vida? Seria cómico
Temer coisa que me inclui
Em uma ou mais existências –
Conforme Deus estatui.
De ressuscitar? O Oriente
Tem medo do Madrugar
com sua fronte subtil?
Mais me valera abdicar!
|
Nada é simples quando se trata de palavras.
Quando se trata de palavras até a palavra simples é complicada.
um blog de Luís Ene
quinta-feira, 29 de maio de 2014
Emily Dickinson
segunda-feira, 26 de maio de 2014
BOM E EXPRESSIVO
Acaba mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.
Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,
tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: — Não é poesia!,
diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-
dra que rola na pedra...
Mas também da rima «em cheio»
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,
a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo...
Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.
Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,
tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: — Não é poesia!,
diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-
dra que rola na pedra...
Mas também da rima «em cheio»
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,
a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo...
Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'
domingo, 25 de maio de 2014
Alberto Caeiro
Se Eu Pudesse Trincar a Terra Toda
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz. ...
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXI"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz. ...
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXI"
Heterónimo de Fernando Pessoa
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sexta-feira, 23 de maio de 2014
INFORMAÇÕES INÚTEIS
TUDO
O QUE PRECISAS SABER SOBRE MUROS
Os muros têm tendência para se
fecharem sobre si mesmos e isolarem-se do mundo.
Os muros têm corações de pedra,
mas também têm sentimentos. Movem-se sempre de lado, mas olham-nos sempre de
frente.
Os muros raramente se vão
abaixo: possuem uma moral elevada e uma disciplina firme. Podem esticar-se e
quase tocar o céu, mas são incapazes de saltar.
Ao contrário do que se pensa os
muros não têm lado de dentro e lado de fora, mas apenas lado de cá e lado de
lá.
Os muros gostam de proteger,
gostam de ouvir, mas a sua verdadeira vocação é separar. Não admira assim que
os muros tenham muitos inimigos.
A melhor maneira de deitar um
muro abaixo é nunca o levantar.
PEQUENO ENSAIO SOBRE A PERSISTÊNCIA
As águias são injustamente
consideradas arrogantes. A verdade é que estão apenas habituadas a olhar de
alto.
Os crocodilos são animais
tristes. Ninguém com uma boca tão grande pode ser feliz.
Os camelos são animais afáveis e
prestáveis, ainda que de tão persistentes nessas qualidades se possam tornar
muito aborrecidos e até importunos.
Os camaleões são de uma timidez
atroz. Detestam dar nas vistas e fazem tudo para passarem despercebidos.
Os papagaios são repetitivos,
toda a gente o sabe. O que poucos sabem é que os papagaios são muito
persistentes.
Toda a repetição tem algo de
persistência, ainda que poucas vezes assim seja.
Os caracóis são tão lentos que
passam por persistentes.
A VERDADEIRA NATUREZA DAS PEDRAS
As pedras detestam estar sós.
Viajam muito, quase sempre em negócios e raramente por prazer.
As pedras são todas muito
seguras de si, com excepção óbvia das pedras de gelo.
Mais do que vira-casacas as
pedras são polivalentes: com pedras se levantam muros, com pedras se atinge a
polícia. As pedras que rolam são muitas vezes eléctricas.
As pedras são, todas elas
extremamente sensíveis, mas também extremamente introvertidas. Por isso é que
nada dizem, por isso é que poucos conhecem a sua verdadeira natureza.
As pedras não têm pontaria
nenhuma. Quando se atira uma pedra nunca se sabe onde ela irá acertar.
TODA A REALIDADE É FICÇÃO
Quase todas as formigas são
excelentes escritores, mas a sua letra é tão sumida que nada diz.
Existem muitos macacos, mas
poucos são verdadeiros. A maior parte são de imitação.
A sabedoria das pedras não
depende da sua capacidade de falar mas da nossa capacidade de ouvir. Por isso é
que há pedras e há calhaus.
Há mil e uma razões para se
gostar de Portugal. Uma delas é sem dúvida essa de Queirós.
Quem se olha num espelho nunca
pergunta se é ele que é real.
sexta-feira, 16 de maio de 2014
POEMA TRICOTADO
Explicar
o poema é negá-lo
impedi-lo
de iluminar os
recantos
mais recônditos
da
nossa turva existência
É
necessário aceitá-lo
deixar
que ele cresça em nós
como
uma planta exótica
que
nos fascina e incomoda
Só
aceitando o seu mistério
com
toda a humildade e orgulho
pés
firmemente ancorados no chão
coração
em vigoroso descompasso
Será
afinal possível compreendê-lo
POEMA CORPO
O
poema não tem corpo
O
poema é ele mesmo
um
corpo
Pode
ter cabeça tronco membros
Pés
para andar
Mãos
que nos acariciam
Mas
se fosse só uma palavra
Mesmo
assim respiraria
E o seu bater seria sempre
E o seu bater seria sempre
O
bater de um coração
PS.
Mais
tarde ou mais cedo, o que me dizem, o que escuto, entra no que
escrevo. Às vezes dou conta disso, outras nem tanto. Uma palavra,
uma frase, pede outras palavras, outras frases, e torna-se o centro
exigente de um texto; ou então uma frase, uma palavra, uma ideia que
julgava esquecida, entra de rompante num texto que não provocou e
faz dele a sua casa. Desta feita foi o segundo caso.
quarta-feira, 14 de maio de 2014
3 POEMAS PORTUGUESES
ÊXTASE
acordo adormeço acordo
O Infante D. Henrique olha-se
no espelho azul do mar
Salazar está sentado numa cadeira
suspensa no tempo que perdemos
Salgueiro Maia assoma-se à janela
triste do futuro adiado
O meu fato cinzento tem um rasgão
atravessado no peito
No meu país tudo aconteceu há
muito muito tempo e ainda está
tudo a acontecer
nada está esquecido
nada é lembrado
no meu país tudo acontece e não
acontece
ao mesmo tempo
no mesmo lugar
Por isso escrevo cada vez mais
branco sobre branco
os dedos nus tocando de leve
a superfície vaga do sonho
perdido no lado de dentro
do lado do fora
e de novo adormeço
de novo acordo
e de novo adormeço
ERA UMA VEZ UM PAÍS
fomos sempre um país possível
cedo nos habituámos a ser assim
ou assado
tanto nos fazia
éramos um país possível
até que um dia sonhámos juntos
um país novo
fomos realistas
quisemos o impossível
quisemos um país impossível
foi isso que desejámos
foi isso que obtivemos
um país impossível
impossível de suportar
impossível de viver
impossível de se renovar
quando é que o sonho se tornou
pesadelo?
vivemos hoje no mesmo impossível
país possível de sempre
quando é que vamos acordar?
quando é que de novo
pediremos o impossível?
quando é que começaremos
a construir o possível
país impossível
que existe e está ainda
à nossa espera?
POEMA EM CONSTRUÇÃO
Em mim eu guardo a alegria de Abril
faca de dois gumes
pau de dois bicos
metáfora estafada
cegueira que me permite
ver o que perdemos todos os dias
memória que me aproxima
e me afasta dos outros e de
mim mesmo
mistério íntimo intransmissível
inútil
ouro dos tolos
ressaca furiosa
sangue que me corre nas veias
palavrão gritado com raiva e com
dor
com amor
Em mim eu guardo intacta
a alegria de Abril
bandeira puída
que ainda agito com orgulho
com desespero
com toda a estúpida intensidade
do meu ser
fui Abril e Abril fez-me assim
pleno desta alegria triste que é
saber
que um mundo melhor é possível
que um mundo melhor só
depende de nós
que a poesia é a vida que
a nós mesmos recusamos
ténue linha que nos desafia
Em mim eu guardo intacta e dura
a alegria de Abril
sonho sonhos mil
mil sonhos esqueço mil sonhos adio
em mim Abril são todos os meses do
ano
em mim Abril é esta alegria que me
entristece
em mim Abril é esta tristeza que me
enternece
Em mim eu guardo intacta e pura
a alegria de Abril
envelhecida ano após ano
em cascos de mágoa e de dor
doce vinho triste que estou certo
um dia todos hão-de beber
e então
só então
serei completamente
feliz
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