Nada é simples quando se trata de palavras.
Quando se trata de palavras até a palavra simples é complicada.
um blog de Luís Ene
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
HISTÓRIA DO ELEFANTE QUE SE TORNOU ELEGANTE
Desde muito novo que o alcunharam de Elefante, e o epíteto colou-se-lhe
de tal forma que muitos anos depois só por esse nome era conhecido. E não é que
alguma vez ele tivesse sido obeso – tinha uma constituição normal – ou andasse
habitualmente de trombas – era mesmo uma pessoa bem disposta que ostentava
invariavelmente um sorriso franco; o que lhe valeu a alcunha, se querem saber,
foi o seu andar desajeitado e arrastado que ainda hoje o caracteriza e de que
nunca se conseguiu livrar, por mais que tentasse.
Apesar de ser uma pessoa simples, ou talvez por causa disso, a verdade é
que tal facto sempre o incomodou e chegou mesmo a um ponto em que ele pensou
que não aguentava mais. Estava farto de ser Elegante. Que coisa. Estava mesmo
farto!
Ponderou até exigir que deixassem de o tratar por Elefante, ou apenas
pedir-lhes que o chamassem pelo seu nome, mas era muito tímido e evitava sempre
qualquer tipo de confronto, além de que ninguém lhe chamava Elefante com desdém
ou ironia, tinha apenas se tornado o seu nome. E além disso, verdade seja dita,
ainda que lhe custasse admiti-lo, ele não gostava muito do seu verdadeiro nome.
Então, um certo dia, teve uma ideia! Quando lhe chamavam Elefante, “Bom
dia Elefante?”, “Olá Elefante”, “Como vai a vida, Elefante’”, ele passou a
responder, “Elegante, claro que sim, elegante!” Afinal era apenas uma letra de
diferença, mas fazia toda a diferença, se assim se pode dizer. Elefante.
Elegante!
E pouco tempo depois, acreditem ou não, já todos só o conheciam por
Elegante, e ele sorria, como sempre sorrira, é verdade, mas sentia-se agora muito
melhor.
E esta foi a história do elefante que se tornou elegante.
imagem aqui
domingo, 10 de agosto de 2014
AUTO - RETRATO
Eu podia
ter escrito uma história ou um poema sobre
como me senti esta manhã na alameda
a menina que os pombos seguiam
em alvoroço
os gritos estridentes dos pavões
invisíveis
a casuarina que me foi apresentada
com pompa e circunstância
e que nunca falou
Eu podia eu podia
e fosse uma história ou um poema
tudo o que já disse também lá estaria
quase com as mesmas palavras
se em prosa e em verso
pouco importaria
Eu podia eu podia eu podia
e foi isso que fiz
na minha solidão
senti-me feliz
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
QUOD ERAT DEMONSTRANDUM
e usam todos as mesmas palavras,
mais coisa menos coisa, é certo,
mas, no geral, é mesmo assim,
e nunca doutra maneira.
Logo, o mais natural seria que dissessem
todos as mesmas coisas, mas,
e isto é facto que não carece de comprovação,
de tão óbvio,
os leitores lêem e, sobretudo, ouvem
sempre diferentes coisas nos mesmos poemas.
Podemos então concluir, sem mais,
que o enunciado já vai longo,
que muito mais importante do que aquilo
que os poetas dizem é aquilo
que os poetas deixam para o leitor
dizer.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
O HOMEM QUE ESCREVIA
Escrevia e escrevia e escrevia, se prosa ou poesia, ele não sabia. Escrevia e escrevia e escrevia, e isso era tudo o que ele fazia. Um certo dia deixou de escrever, foi um pouco antes de vir a falecer. Mas não pensem que se fechou a porta, agora escreve numa língua morta.
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Cruzeiro Seixas
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