Nada é simples quando se trata de palavras.
Quando se trata de palavras até a palavra simples é complicada.
um blog de Luís Ene
domingo, 31 de julho de 2016
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Eu, a literatura, os leitores, o mercado editorial e os blogues
Poderia dizer-se que desisti
praticamente de publicar após a edição do meu primeiro romance A Justa Medida,
publicado pela Porto Editora em 2003. Este desistir teve muito de desencanto no
panorama editorial português. Mas a verdade é que não desisti de um todo, antes
resisti, apenas deixando progressivamente de contactar as editoras para que me
publicassem.
Na base desta atitude estava a
ideia de que ainda que me editassem me editariam mal, se é que alguma vez
conseguiria ultrapassar os portões das editoras. Assim, resolvi ir por outros
caminhos, passando por edições independentes e edição de autor.
Coloquei-me assim à margem do
mercado editorial, não sem aqui e ali, confirmar a apatia e o ensimesmamento
desse mesmo mercado. É preciso notar que o facto de ter um primeiro romance
publicado não me serviu de nada.
Talvez não tenha feito o
suficiente, mas sou escritor e não agente literário. Mesmo mais tarde,
reconhecido como representante da Microficção que se fazia em Portugal, sempre
que abordei o mercado editorial tradicional só obtive indiferença e recusas. Mas
o que eu queria dizer é que posso ter desistido do mercado editorial mas nunca desisti
de partilhar o que escrevo e apanhei para o efeito a boleia da internets e dos
blogues.
“Um dos meus objetivos”, escrevi
em 2011, “ao criar/manter blogs - aquele que identifico como principal – sempre
foi partilhar o que escrevo. O que sentia - e ainda sinto - é que desta forma
aquilo que assim publico sempre pode - potencialmente - chegar a alguém. Neste aspeto
o blogue parece-me um livro aberto, ainda mais aberto que qualquer livro, pois
sempre aberto ao leitor e à leitura.”
Deste sentir nasceu um blog que
seria o primeiro e o mais conseguido dos meus projetos literários digitais e
que se repercutiu em papel, o blog Mil e Uma Pequenas Histórias. Outros se
seguiram, mais ou menos conseguidos, mais ou menos falhados, como Na Estrada de Damasco e Infinitésimo. Refiro também o meu mais recente projeto/experiência, o
blog Diário Mais Que Improvável. E claro, existe ainda este blog que reflete o
mesmo desejo.
Por tudo isto, e mais haveria
para dizer, posso afirmar que nunca desisti de fazer chegar o leitor aquilo que
escrevo, apenas me desiludi com o mercado editorial.
quinta-feira, 28 de julho de 2016
quarta-feira, 27 de julho de 2016
terça-feira, 26 de julho de 2016
...
ARTE POÉTICA
Procura a verdade na simplicidade óbvia do mistério; deixa que as palavras se escrevam no silêncio emocionado da tua perplexidade; não tentes
explicar o que quer que seja.
[PARA PUBLICAÇÃO]
21 Acreditar
Acredita em ti, acredita sempre em ti, sobretudo quanto mais duvides de
ti. Acredita nessa tua capacidade de duvidar de ti, nessa tua maravilhosa
capacidade que te permite ser vários sem nunca deixares de ser tu.
segunda-feira, 25 de julho de 2016
DA MINHA JANELA VÊ-SE O ALGARVE
Oh meu Algarve, crónica publicada no Barlavento de 21 de Julho do corrente.
A foto utilizada é de Isabel Brinca.
A foto utilizada é de Isabel Brinca.
domingo, 24 de julho de 2016
DIÁRIO PARTILHADO
Esta é a mensagem número 1074 deste blog, tendo a primeira sido publicada em 02/01/2009.
Este blog onde tenho publicado irregularmente e de forma algo caótica é o lugar onde coloco material que me interessa, próprio e de outros, para mim e para quem quiser, sendo assim um verdadeiro diário partilhado.
sexta-feira, 22 de julho de 2016
O QUE ESTAMOS (SIM, ESTAMOS) A FAZER AO ALGARVE?
A home with a view (Uma casa com vista), foto-ensaio de John Gallo.
quarta-feira, 20 de julho de 2016
prosa/poesia
Prefiro acordar cedo
Prefiro amar
Prefiro o azul
Prefiro escolher
Prefiro preferir
Não confunda as palavras com as coisas de que as palavras
falam. Mesmo quando usas as palavras como coisas é sempre das coisas que elas
falam. Mesmo que nada tenhas para dizer as palavras sempre se dirão.
segunda-feira, 18 de julho de 2016
...
Primeiro o que está primeiro
é este o meu lema é assim que vivo
escolha a escolha determinada mente
Por muito que me custe escolher
Por muito que me custe não saber
o que está primeiro
domingo, 17 de julho de 2016
sábado, 16 de julho de 2016
...
há pessoas tão sensíveis que choram
quando são insultadas
há pessoas tão sensíveis que gritam
há pessoas tão sensíveis que gritam
quando lhes batem
há pessoas tão sensíveis que se fazem
há pessoas tão sensíveis que se fazem
sempre de vítimas
felizmente também existem outras pessoas
diferentes melhores
felizmente existimos nós
felizmente existimos nós
felizmente existem vocês
sexta-feira, 15 de julho de 2016
FOTOGRAFIA
A vida é plena
de contrastes ou é o teu olhar que ama os paradoxos?
Sabes que estás a caminho
e olhas determinado em frente, mas para isso tens de voltar as costas a tudo o
que te faz avançar, e como podes avançar assim?
Talvez te deva
nascer um olho na nuca! Talvez devas avançar de olhos fechados! Para tudo isso
não tenho respostas; no entanto sei que para avançares só precisas de perguntas,
ou melhor, de interrogações.
E em verdade
te digo, a vida não é a preto e branco, mas talvez o teu olhar não seja a
cores.
quinta-feira, 14 de julho de 2016
quarta-feira, 13 de julho de 2016
BATER
Um dia, sem que nada o
anunciasse, ele bateu-lhe, um golpe certeiro e singular, e o coração dela quase
parou de bater, tal foi o espanto e a desilusão, porque nada a preparara para
aquilo. Quis rebater, quis gritar-lhe, quis chamá-lo à razão, mas de repente a
verdade acertou-lhe com a mesma força e surpresa do golpe que sofrera. Foram
precisos dois para que isto acontecesse, foram precisos dois, não me posso pôr de
fora, disse e repetiu a si mesma, ao mesmo tempo que ele se desculpava sem
cessar, de lágrimas nos olhos e as mãos fechadas em punhos de raiva e de
desespero. Olhou-o em silêncio, o bater descompassado do coração a pulsar-lhe
nas têmporas e só então percebeu que há muito o seu coração não batia por ele.
Pediu-lhe desculpas, uma e outra vez, de lágrimas nos olhos, as mãos fechadas
em punhos de raiva e de desespero.
terça-feira, 12 de julho de 2016
ESPERAR
Espere, disse-me ela, e foi-se
embora, sem mais, fechando a porta atrás de si. Fiquei à espera, como ela me
tinha pedido ( ou teria sido uma ordem?), todavia sem nada esperar. Não pensei
nem por um momento quanto tempo ela demoraria a voltar ou até se alguma vez
voltaria. Eu estava ali e não me apetecia ir a qualquer outro lado, por isso
ficaria ali enquanto me apetecesse. Por um momento questionei-me se ela me
teria dito para esperar por ela ou apenas para esperar, para aguardar, mas isso
pouca importância tinha. Interroguei-me sobre o que esperava da vida e não me surpreendi
por não ter uma resposta clara. Será que não espero nada a não ser estar vivo?
Será que não espero nada a não ser um dia morrer? Será que viver nada é senão
esperar? Esperar um dia morrer, esperar viver ainda mais um pouco? Mas a verdade
é que nada espero da vida, vivo apenas e nada mais. Espero sem esperar,
concluo, porque quando ela voltou, não tive dúvida alguma de que esperava, ainda
que também não tivesse dúvida alguma de que nada esperava. Espere só mais um
pouco, disse-me ela, e foi-se embora, sem mais.
domingo, 10 de julho de 2016
#jaalguemdeveterditoisto
Não há escritores menores, há
apenas escritores baixos.
Se já perdeste a guerra, porque
ainda travas batalhas?
Nunca se é culpado desde que se
seja responsável (ou não).
Sou como sou, o que quer que isso
seja.
Ser livre é (ser capaz de)
escolher a que (ou a quem) servir.
Se queres parecer inteligente,
cala-te. Se queres ser, também.
Para que exista um diálogo é
preciso que todos estejam disponíveis para ouvir. Se tal não acontecer, estou
fora. Se então me acusarem de não estar disposto a ouvir, é porque não estou
mesmo.
Talvez ser menos seja ser mais.
Estar concentrado não é ser
menos, é ser mais.
Gostar ou não gostar, eis o
Facebook.
Age como tiveres de agir que eu
agirei como tiver de agir. Sem ressentimentos.
A verdadeira força é fazer das
fraquezas força.
Queres ser compreendido/a? Talvez
devas começar por tentar compreender os outros!
Persisto porque é da minha
natureza persistir, ou sou assim apenas porque persisto?
Ter uma imagem de si mesmo melhor
do que aquela que os outros têm de si, não só é normal como também é
necessário.
O mais importante é quase
invisível. Podes pressenti-lo mas não podes vê-lo.
Não procures fora de ti o que só
dentro de ti existe.
Não sabermos quem somos é sermos.
Ser é sempre estar à procura.
Cada vez mais me preocupo menos com
o que não é importante.
Pior que ser parvo é não saber
que se é parvo.
Ser ridículo é inevitável quando
se é humano, mas mais vale ser do que parecer.
Cala-te com frequência, não só
ouvirás mais como a vida te correrá melhor.
Somos tão bons a criar regras
como a criar exceções.
Umas vezes é preciso encher a
taça, outras vezes é preciso esvaziá-la.
Enganar os outros é fácil,
difícil é ser honesto.
Não acreditas em ti porque
existes, a verdade é que existes porque acreditas em ti. Acredita em ti.
Os defeitos e as virtudes têm
muito menos importância em si mesmos do que o modo como os encaramos e usamos.
Ao amor não interessa se é
correspondido ou quanto tempo dura, ao amor basta-lhe existir.
sábado, 9 de julho de 2016
DA MINHA JANELA VÊ-SE O ALGARVE
[ficam aqui os dois artigos publicados no jornal barlavento]
[publicado em 16/06/16]
Caro leitor
Fernando Cabrita, poeta que vive
em Olhão, a nove quilómetros de onde eu próprio vivo, costuma dizer que existe
uma genealogia na escrita (na verdade ele diz poesia) que leva a que na escrita
de um escritor sejam sempre acolhidos muitos outros escritores. Isto porque o
escritor escreve o que é, mas também o que lê. Assim, o que eu escrevo, o que
qualquer escritor escreve, tem sempre raízes numa literatura que lhe é anterior
e que lhe serve de estrume, porque o escritor é sempre e antes de mais um
leitor. Se chegaste até aqui, caro leitor, tem paciência e segue-me até ao
próximo parágrafo.
Ainda estás aí, leitor? Sim? Está
bem. Dá-me então mais um pouco de atenção, para que tente explicar-te porque te
considero tão importante. A língua define-nos como ser humanos, e o mesmo vale
para a arte, comum a todos nós, que é a arte de contar histórias. Eu sou
escritor, daí esta familiaridade contigo, leitor, daí a importância que te dou,
porque só em ti o que escrevo se lê e existe verdadeiramente. Um grande
escritor, Jorge Luís Borges, que cito de cor, correndo o risco de errar, disse
que as bibliotecas são cemitérios. Na verdade um livro que não é lido está
morto e só o leitor pode dar-lhe de novo vida. Daí a tua enorme importância,
leitor, daí a tua enorme responsabilidade. Permiti-me então que te convide para
um novo parágrafo.
Procuro ainda um ponto de partida
comum para estes textos, escrevo, mas na verdade já o tenho, ainda que só agora
me tenha apercebido. É assim a escrita, cheia de dúvidas e de revelações.
Escreve-se, escrevendo; e é assim que escreverei estas rubricas. Sei que o que
escreverei estará à sombra de uma verdade que é a de que da minha janela se vê
o Algarve, título e tema que afinal escolhi para estas conversas com o caro
leitor.
Qualquer mentira deve, já dizia
certeiro o poeta António Aleixo, trazer à mistura qualquer coisa de verdade. E
é o que acontece neste caso. Da janela (do meu quarto) vê-se realmente o mar,
vê-se o azul, e o Algarve é azul, disso não tenho eu dúvidas. Assim, da janela que será esta rubrica poderemos, eu
e tu, caro leitor, espero eu, ver sempre o Algarve, o Algarve em letras, porque
eu sou um escritor e estou no Algarve. Mas,
caro e paciente leitor, tal como agora me seguiste parágrafo a parágrafo; se me
quiseres continuar a ler, e ver o que escreverei, terás de me seguir até uma
próxima vez, que agora vou ficar por aqui.
Desculpa-me ter dito tão pouco, é
o que sinto, mas acredita que quanto mais eu me calar mais tu te dirás.
Até à próxima.
[publicado em 06/07/16]
Escritores Algarvios?
Resido em Faro, no
Algarve, e ainda que essa circunstância em nada influencie a minha escrita, é
muito provável que a mesma tenha mais reflexos em Faro e no Algarve do que em
qualquer outro lugar onde não resido e não intervenho. Assim, ainda que me afirme,
acima de tudo e tão só escritor, a circunstância (desejada) de viver em Faro
não é certamente de desprezar e, nesse sentido, não rejeito nem desprezo a
designação de escritor algarvio, exatamente porque aqui resido e intervenho com
mais frequência.
Não pretendo aqui, longe
de mim, discutir ou defender a existência de uma literatura algarvia ou mesmo a
sul. Outros já o fizeram muito melhor do que eu o faria! Leia-se por exemplo “A
criação literária e o Algarve, no Algarve ou do Algarve? – Reflexões sobre
literatura regional(ista), de Adriana Nogueira.
Mas aqui estou eu, em
Faro, no Algarve, e relaciono-me e agrupo-me com outros escritores e editores
que como eu aqui residem, como Fernando Esteves Pinto ou Pedro Jubilot, ambos
escritores e editores algarvios, ambos olhanenses, atrevo-me a dizer, o
primeiro por escolha e o segundo por nascimento.
Por mim, ainda que
nascido na Damaia, e algarvio apenas por circunstância e escolha, aceito e
agrada-me ser descrito como um escritor farense, como o diretor deste jornal em
que escrevo me designou, e a verdade é que aqui e ali Faro entra na minha
escrita. Deixa-me, caro leitor, que traga para aqui um texto que é exemplo disso,
retirado de um pequeno livro inédito, com o titulo genérico de “O meu café”.
“Na
cidade onde vivo é tão fácil encontrar o seu café como é fácil encontrar o meu
café, e não é que eu queira dizer com isto que na cidade onde vivo qualquer um
pode encontrar um café que seja seu.
A
verdade é que na cidade onde vivo existe um café que se chama O Seu Café, e,
embora O Seu Café não seja o meu café, ficam os dois no mesmo largo, um
opondo-se ao outro.
Assim,
posso dizer que o meu café fica no largo em questão e é aquele que não é o seu
café, não só localizando-o assim na perfeição, como fazendo-o ainda mais meu.”
Claro
que só quem conheça o café em questão sabe do que falo, mas quem não souber não
fica em nada prejudicado na sua leitura.
O
leitor que me desculpe pelo facto de me citar e também de trazer aqui a questão
(sem dúvida inócua) da existência de escritores e editores algarvios, porque
pode ou não acreditar-se nisso, mas que existem, existem, e estão por aqui, pelo
Algarve, e querem (e devem) ser levados em conta.
Até
à próxima leitor, e toma atenção aos escritores perto de ti.
sexta-feira, 8 de julho de 2016
40 ASDRÚBAL BRANCO
(de um conjunto de 45 contos/textos/fragmentos que formam o livro Escrever é dobrar e desdobrar palavras à procura de um sentido, deixo-vos este em que confluem vários elementos e características de contos anteriores, como facilmente o leitor perceberá no acto de leitura)
*
Foi sempre muito curioso, mas nunca sentiu realmente necessidade de
explicações e talvez esse facto ajude a derramar alguma luz sobre o que lhe
aconteceu. Tinha tido ao longo dos anos breves vislumbres sobre a natureza e o
funcionamento das coisas e das pessoas, clarões intensos que se apagavam tão
depressa como surgiam, mas nunca pensou que poderiam passar disso.
Gostava de contemplar as coisas e as pessoas, de as admirar, mas sentia
um intenso pudor em despi-las do mistério que as fazia verdadeiras e cobri-las
com o falso manto da verdade. Por isso preferia o sonho ao raciocínio lógico. E
desprezava as palavras. Cada vez mais. Limitava-se a contemplar, a ser aquilo
que contemplava, e desta forma participava do mistério da vida, sem o corromper
ou dissipar.
De certa forma é o que estou a fazer quando escrevo este texto, apesar de
ser algo que ele tanto condenava e desprezava. Estou a usar as palavras para
contemplá-lo, agora que se foi, e não estou a usá-las ao serviço do raciocínio
lógico, mas do sonho. Deixo que a história se conte, esforçando-me por quase
não respirar, enquanto a história se conta.
Asdrúbal Branco sentiu pela primeira vez a completa desnecessidade das
palavras quando, muito novo, olhou o céu azul e sentiu em si esse céu, com tal
intensidade que não falou durante uma semana. O seu olhar era vazio e não
proferia uma palavra que fosse, ainda que sorrisse, e os pais pensaram que
enlouquecera. Mas uma semana depois voltou a falar, e parecia o mesmo de
sempre.
Foram os pais de Asdrúbal que me contaram esta história, mas
garantiram-me que, a partir daí, o filho se comportou sempre de forma normal,
ainda que tivesse sido sempre um pouco distraído, de tal forma que muitas
pessoas pensavam que ele era um pouco tolo. Mas a verdade é que o seu percurso
escolar foi contínuo e só não foi para a universidade por manifesta falta de
vontade.
“O meu filho não era burro, não senhor, quando nos olhava nos olhos
sentíamos que podia ler dentro de nós com toda a facilidade, e isso assustava as
pessoas. Começaram a evitá-lo e falavam mal dele nas suas costas. Ele percebia
tudo mas não dizia nada nem mostrava qualquer ressentimento, e isso ainda
assustava mais as pessoas. Passou a andar sempre sozinho e quase nunca falava.”
Gostava de subir ao depósito de água e dali contemplar a aldeia, com o
seu olhar de carneiro mal morto, como diziam as pessoas da aldeia, hora após
hora. Conseguia perceber tudo o que se passava como se estivesse a lê-lo num
livro, só não precisava era de palavras. As palavras, teve disso a certeza,
sempre o tinham impedido de ver, como uns óculos mal graduados, e deixou
completamente de falar com quem quer que fosse, nem sequer para um simples olá.
Com o correr dos anos a sua capacidade de ver a verdadeira natureza e
funcionamento de tudo à sua volta, se o posso dizer assim, foi aumentando de
tal forma que qualquer pequena coisa ou acontecimento o ocupavam por inteiro.
Uma mera gota de água, um simples grão de areia eram suficientes para o manter
concentrado durante meses, de tal forma que o julgaram em louco e o internaram
num hospital psiquiátrico, com diagnóstico reservado.
“Achei sempre que não havia nada de errado com o meu filho, apenas estava
num mundo que era só seu, mas os médicos garantiram-me que estava muito doente
e que precisava de ajuda médica. Quando voltou para casa fiquei muito contente,
mas no dia seguinte a polícia apareceu e levou-o de novo e nunca mais o vi.”
Um dia depois de ter sido levado de novo para o hospital, Asdrúbal Branco
desapareceu e nunca mais foi encontrado, apesar dos esforços da polícia.
Ninguém acreditava que ele poderia ir muito longe, e convenceram-se que o
encontrariam num raio de centenas de metros, a observar intensamente uma flor
ou o desenho irregular de uma pequena pedra, mas tal nunca aconteceu.
Não vou dizer onde está Asdrúbal Branco, mas deixem-me que o mostre
debruçado sobre um lago turvo, toda a sua atenção presa a um pequeno insecto
rubro que parece também olhar para ele num linear jogo de espelhos.
Queria dizer-vos mais, podem disso ter a certeza, mas a escrita é um
instrumento poderoso e frágil ao mesmo tempo, e temo que se insistir em contar
esta história ela se quebre em mil pedaços impedindo-vos de ver o pouco que vos
posso mostrar. Por isso fico por aqui.
quinta-feira, 7 de julho de 2016
A propósito de Escrever é...
Um pequeno texto que escrevi para a apresentação de sexta-feira
O conto/texto 45 de "Escrever é dobrar e desdobrar palavras à procura de um sentido", que o termina e lhe dá nome, podia não só começá-lo como estar escrito na primeira pessoa, caso em que o subscreveria quase por inteiro, assumindo-o como autobiográfico.
Este livro (a sua escrita e sobretudo a sua publicação) é muito importante para mim porque surge como um marco, uma espécie de ponto da situação no meu percurso literário.
O livro é um exercício e um jogo, pelo que o texto referido tem de surgir no final, porque uma das regras era que os textos fossem crescendo de tamanho e aquele é o mais longo.
No entanto, se ele estivesse no início logo se perceberia que os restantes contos/textos são uma espécie de exemplificação do mesmo, uma espécie de prova das afirmações produzidas nesse texto e daí a unidade do livro, unindo todos os textos, que permanecem independentes, num só.
Talvez por isso, os diversos contos/textos não só crescem e se multiplicam, cruzando incessantemente vários elementos, como visitam vários formatos, existindo contos que evocam Poe (sinistros), Mário Henrique Leiria (provocadores) e até Borges (enigmáticos), mas sempre à minha maneira.
terça-feira, 5 de julho de 2016
O POEMA
Procuro palavras
Encontro silêncios
Pequenos nadas
Abafados Fulgurantes
Prenhes de promessas
Na lousa da insónia
Arrisco palavras
Pouco a pouco
Resgatadas
Ao esquecimento
E dessa massa rica
E informe
O poema destaca-se
E nasce
De parto natural
Alimentado de silêncios
Vestido de palavras
Mistério que a si mesmo
Se surpreende
O poema vive
Fecho os olhos
Respiro fundo
O poema adormece
Lentamente
E eu também
Como se nada
Tivesse acontecido
Que fosse digno
De qualquer
Registo
domingo, 3 de julho de 2016
a Jigsaw
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